Reestruturação leva Azul a perder espaço em briga por aeronaves com Latam e Gol
Fonte: Valor Econômico
A Azul tem perdido espaço na briga por aviões para concorrentes em meio a
seu processo de recuperação judicial nos Estados Unidos (“Chapter 11”). Entre
os revezes estão a ida de aeronaves A330 de sua frota para a Abra, holding da
Gol e da Avianca, assim como a perda de janelas de entrega de jatos da Embraer
no ano que vem para a Latam, afirmaram fontes.
Segundo pessoas próximas às conversas, a Azul está negociando sua frota em
um momento de forte demanda por aviões, cenário que reduz o poder de
barganha da aérea. Além disso, a entrada da arrendadora AerCap como uma das
financiadoras de seu processo de reestruturação acabou deixando outras
arrendadoras em alerta.
Recentemente, a Abra comunicou a assinatura de um contrato com a
arrendadora Avolon para até sete aeronaves A330-900neo. Segundo fontes,
cinco dessas aeronaves são hoje operadas pela Azul.
A aérea teve ainda postergada a entrega de alguns aviões da Embraer, até então
previstos para o ano que vem, para dar espaço ao pedido da Latam. A
concorrente fechou um contrato com a fabricante brasileira que prevê até 16
aviões já em 2026, cenário apenas possível por causa do espaço deixado pela
Azul, disseram fontes.
Uma das partes mais importantes do processo de reestruturação de uma aérea
é a renegociação com seus arrendadores. A Azul comunicou ao mercado a
intenção de reduzir em até 35% a sua frota futura planejada. O foco do grupo
é cortar sobretudo sua frota de aeronaves E1, de geração anterior. A Azul
fechou o segundo trimestre com 186 aviões operacionais.
A companhia segue avançando em sua reestruturação. Nesta quinta-feira (23),
informou, em fato relevante, um novo plano de saída que prevê alavancagem
de 2,5 vezes ao fim do processo, em fevereiro de 2026 - antes, a projeção era
fechar a reestruturação com alavancagem de 3 vezes.
Segundo fontes, a Azul já concluiu negociação com cerca de 90% dos seus
arrendadores. Até o momento, a aérea pediu para devolver cerca de 20
aeronaves e nove motores.
Ainda conforme essas fontes, a decisão da Avolon de retirar as aeronaves da
Azul e enviá-las à Abra tem como pano de fundo a entrada da arrendadora
concorrente AerCap como investidora no processo de “Chapter 11” da Azul.
A companhia levantou cerca de US$ 1,6 bilhão para o seu financiamento DIP
(dentro da reestruturação e que tem pagamento prioritário). O recurso foi
fornecido por “bondholders” (detentores de dívida no exterior) e também pela
arrendadora AerCap.
“Se você é um arrendador e está começando a ocupar lugar no ‘board’ da
empresa, como ficam os outros arrendadores?”, disse uma fonte na indústria.
Com isso, a Avolon se aproximou da Abra, que já estava contrariada com a
Azul após a promessa da American Airlines e da United de um possível aporte
somado de US$ 300 milhões na saída do “Chapter 11” da Azul. A American
Airlines é um parceiro de longa data e acionista da Gol, e era aguardado que a
aérea americana investisse na saída do “Chapter 11” da brasileira, o que não
aconteceu.
Outra surpresa no mercado foi o anúncio da Latam de comprar até 74
aeronaves E2 da Embraer. Do total, 24 são de pedidos firmes. Segundo fontes,
o grupo espera receber entre 11 e 16 aeronaves já no ano que vem. Pessoas
próximas às negociações destacaram que o que mais chamou a atenção foi a
promessa da Embraer de entregar aviões já no ano que vem para um novo
cliente.
Acordo firmado entre arrendadora Avolon e Gol para sete A330 retirou
aeronaves da frota da Azul no Brasil
A Embraer já tinha disponíveis algumas posições de entrega no curto prazo,
mas, desde a entrada em “Chapter 11” da Azul, essa janela teria sido elevada de
forma considerável. Pelo cronograma público até então, a Azul estimava
receber 12 aviões E2 entre este ano e o fim do ano que vem.
Em paralelo, fontes apontaram que a Azul tem tido um embate com
arrendadores. Isso porque a indústria hoje está com uma elevada demanda por
aviões, ao passo que as fabricantes estão com uma capacidade de produção
ainda limitada. Com isso, a Azul perdeu em parte seu poder de barganha e as
arrendadoras estão menos receptivas a reduzir os seus contratos.
Apesar de perder os cinco aviões da Avolon, fontes destacaram que a Azul
fechou acordo para seis unidades do A330 com outros arrendadores.
O fogo amigo entre as aéreas e a tentativa de tomar aviões é comum no setor.
Durante a reestruturação da Gol, a Latam chegou a abordar arrendadores da
concorrente para ficar com alguns de seus Boeing 737. O tema gerou uma
reação enfurecida da Gol, que chegou a denunciar a Latam por suposta
interferência no seu processo de reestruturação. No fim, os dois lados
resolveram o problema sem judicializar o tema.
Já quando a Latam entrou em recuperação judicial nos Estados Unidos, entre
2020 e 2022, a Azul fez um amplo movimento no mercado tentando negociar
com credores do grupo a compra da Latam Brasil.
Fontes destacaram que a holding Abra aprendeu a lição com a disputa entre
Gol e Latam pelas aeronaves, e optou por aguardar a negociação entre Azul e
Avolon ser encerrada para então tentar ficar com as aeronaves.
Com isso, a Abra evitou ser questionada pela Corte de Nova York sobre
possível interferência no processo da concorrente.
Agora, a Gol tem se movimentado para ficar com as aeronaves da Airbus e
assim alavancar o seu crescimento internacional, disseram fontes. O passo
representaria o fim do modelo de negócio da aérea de frota única do modelo
737 da Boeing.
O contrato de arrendamento foi assinado pela Gol, com a Abra tendo a
possibilidade de levá-las para outras empresas da holding. A Avianca hoje opera
o A330 como cargueiro. Já a Wamos Air usa a aeronave para “wet lease”
(aluguel com tripulação a outras companhias aéreas). A empresa poderia ser um
destino natural das aeronaves.
“São aeronaves que já estão voando no mercado brasileiro. O que a Gol tem
feito é estudar se vai ter as condições necessárias para operá-las aqui no Brasil”,
disse uma fonte.
Ainda conforme essa fonte, a Gol tem expandido de forma significativa seu
braço internacional, mas a falta de aeronaves maiores tem sido uma lacuna,
sobretudo diante do menor espaço de ofertar serviços como classe executiva
aos clientes que buscam “upgrade” - um diferencial competitivo que hoje seus
principais concorrentes oferecem, como a Latam.
Procuradas, Gol, Azul, Embraer, Abra, AerCap, Avolon e Latam não se
manifestaram.